sábado, junho 14, 2008

Entenda a greve do campo argentino.

Conversando ontem pelo msn com meu primo Anderson, que mora em Vila Velha no Espírito Santo, percebi que não estavam falando muito no Brasil sobre a greve dos agricultores argentinos que completou 95 dias hoje.


Entrando em muitos sites de jornais brasileiros, tudo que eu via eram notícias sobre os panelaços na cidade. Acontece que esses panelaços são apenas a reação da sociedade porteña a tudo que acontece no interior do país. Os agricultores, produtores de leite e criadores de gado e galinha exigem o fim das "retenciones", que é um imposto que confisca 44% dos seus ganhos.

Aqui um timeline de que lembro até agora sobre o conflito.

1. Há 95 dias atrás o campo anuncia a greve exigindo um diálogo com o governo sobre as retenções de 44%. O governo da Cristina aumentou bastante essa taxa que antes girava em torno de 30%.

2. Após o anúncio da greve, a despresidenta Kirchner acusa o movimento de ser um "piquete da abundância", referindo-se às grandes caminhonetes 4x4 de propriedade dos grandes agricultores.

3. O discurso infeliz da presidenta causa revolta na classe-média porteña que sai às ruas para bater panelas e protestar nos famosos "cacerolazos". Os principais afetados pelas retenciones são exatamente os pequenos produtores, ou seja, aqueles que não tem pick-ups 4X4. Foi o primeiro grande cacelorazo em Buenos Aires desde a fatídica crise de 2001. Em outras cidades também batiam panelas.

4. A população marcha até a Plaza de Mayo e encontram os piqueteros oficiais do governo (isso é desconhecido no Brasil, mas existem certos sindicatos que são usados como massa de manobra pelo governo. Basicamente eles são pagos para protestar a favor do governo). As duas manifestações se encontram e sai porrada. A polícia fica olhando. "Fomos instruídos para não interferir", declara um policial a uma rede de tv.

5. Algumas reuniões entre as quatro principais entidades do campo e o governo são feitas, mas o acordo não chega.

6. A despresidenta faz mais discursos sempre com um tom prepotente e batendo de frente com as entidades do campo. Nada de tom conciliador. Diz que está governando para todos e não para uma minoria e diz que riqueza precisa ser dividida.

7. Gôndolas de carne e leite do supermercado Coto do Abasto, onde moro, estão vazias.

8. O governo acusa a imprensa de ser anti-democrática. Cartazes aparecem em toda a cidade com os dizeres "O Clarin mente", criticando o maior jornal do país, que é parte de um dos maiores grupos de comunicação que tem o Canal 13 e o canal de tv a cabo TN.

9. Chega 25 de mayo, uma data cívica argentina. Uma ato organizado pelo campo reúne cerca de 300 mil pessoas na cidade de Rosário e duras críticas são proferidas a Cristina K.. A presidenta faz outro ato em Salta, reunindo 70 mil pessoas e declara que os agricultores são golpistas. Discursos inflamados de todos os lados, a presidenta pede para que os agricultores acabem com a greve para que o diálogo se reinicie.

10. Os agricultores terminam a greve por uns dias. A presidenta diz que com tanto insulto não pode dialogar. A greve recomeça.

11. Somado a tudo isso, o órgão estatal que divulga a taxa de inflação mensal segue anunciado números ridículos em torno de 0,6% enquanto outras associacões independentes calculam uma inflação de até 15%.

12. As entidades do Campo cortam estradas em todo país, impedindo principalmente a exportação de produtos e a chegada de alimento a capital federal.

13. A presidenta lança um plano de redistribuição da pobreza, justificando a taxa de 44% que confisca os lucros dos agricultores.

14. Hoje 14 de maio, o primeiro ato de violiencia policial. A tropa de choque aparece em uma estrada em Gualeguaychu, terra que tem fama de gente política pois a população de lá manteve por mais de 2 anos atos contra a instalação de uma papeleira no Uruguai, justo do outro lado do rio. A polícia veio para liberar a estrada, prendem por algumas horasAlfredo De Angeli (o da foto), um dos líderes do movimento, rola pancadaria mas não conseguem liberar a estrada. Enquanto isso, Eduardo Buzzi, outro líder dos agricultores, declara que os protestos e os piquetes nas estradas vão aumentar ainda mais. Em Buenos Aires, a população invade a Plaza de Mayo em protesto contra a presidenta.

15. Nesse mesmo dia os principais jornais mostram como a economia está afetada pela greve. Os hotéis da cidade estão mais vazios, os argentinos compram menos, as exportações caíram vertiginosamente, a inflação aumenta e por aí vamos.

O que não falta aqui é debate e conversa em todos os canais de notícias e nos jornais. Todo mundo dando sua opinião, xingando e esbravejando. Entrevistas com ministros, entidades do campo são praticamente diárias e não falta assunto para a imprensa. O governo claramente foge da raia e não se mostra aberto ao diálogo com o campo. Prefere os insultos e interpreta a realidade da maneira mais conveniente para eles. Os discursos da presidente são de um raciocínio risível. O governo continua estático e a crise avança para seu quarto mês seguido.

Ok, é preciso distribuir a riqueza, mas para isso seria melhor criar todo um programa para isso e não confiscar 44% do lucro dos agricultores. Imposto é uma coisa, punição contra o sucesso é outra. Será que o pior está por vir?

10 comments:

André Ramiro disse...

"Os discursos da presidente são de um raciocínio risível."...isso tem acontecido o tempo todo por aqui...a diferença é como aceitamos isso...;(
absssss

Lívia disse...

Túlio, ontem passei o dia tentando ver alguma reação nos jornais brasileiros e nada. É ridículo isso, todos os dias um comentário sobre a campanha nos EUA e nada sobre a Argentina. Na época do conflito pelas papeleiras, que Argentina e Uruguai estiveram a ponto de cortar relações diplomáticas, no Brasil nem se tocava no assunto.

Mas vemos a Petrobrás cada vez mais presente, turistas brasileiros por todos os lados... só interessa na parte boa.

A sociedade argentina está rachada, a democracia deles balançando, não dá pra ignorar. Como brasileira, escuto os dois lados e penso que esse povo é, no mínimo, alterado. ontem desci pra comprar pão e porque me neguei a aplaudir o panelaço (não apoio o governo, mas ainda não cheguei ao ponto de ir na rua com 8 graus apoiar latifundiário), várias senhoras gritaram comigo dizendo que eu era uma desaforada que apoiava terroristas! Ainda bem que nem perceberam que eu era brasileira...

bjs

Túlio disse...

Pois é Lívia, parece que os brasileiros preferem manter essa imagem de glamour e intelectualidade sobre os argentinos. Não estão dando atenção a todo esse problema como deveriam.

Anônimo disse...

muito bom. melhor que a cobertura da maioria das agências.

abs

Juliana Bragança disse...

ta ruim mesmo a coisa ai, hein?!?!
aqui nem tem mta noticia, é uma pena! mas nao deixa de comer carne nao, tem proteina!
bjos

Túlio disse...

pois é, tá na hora de começar a ganhar dinheiro com esse blog! hahah e pode deixar, juju, que estou comendo bastante carne!!!

Anônimo disse...

Uma historia interessante, onde não tem mocinhos, são tudo bandidos; governo e produtores.

Onde diz produtores, é melhor ler multinacionais e associados.

A pesar das retenções, a industria do camppo ganhou mais dinheiro do que nunca em 2007 e o primeiro trimestre do ano.

Os verdadeiros produtores agrícolas, aqueles que não são representados pelos merdas da sociedade rural e federação agragaria, primeiro deveriam lutar por deixar de sumetidos pelas 10 emprssas que dominanm a industria, que casuelmente, são es mesmas que estão no Brasil.

Túlio disse...

Discordo um pouco, se o setor é bem-sucedido ele deve pagar 44% de imposto? Deviam incentivar as exportações e não puni-los por lucrar.

Anônimo disse...

Sinceramente, que não paguem por fazer os estragos que fazem com mocultivos e trangênicos Carghil, JP Morgan, Monsanto, o Bunge, etc, acho ridiculo.

A industria da soja é a industria da miséria. Representa o que foi a industria do quebracho em santiago del Estero e no Chaco: até hoje, é terra arrasada, desértica.

Alias, é uma industria que recebe subsidios de esse imposto.


Om problema é que argentina escolheu a mais de um seculo ser um pais banero- exportador de granos e carne.

Esse elite local da sociedqde rural associada a multinacionais extranjeiras, não representa a argentino nehum. São os mesmos que conspiram e conspiraram por mais de um século.

O esquecemos que Martinez de Hoz foi a ministro de economía a da ditadura?

E deste governo, o que dizer?... Enfim, que este governo seja o que é, não significa que os outros estejam cero não reclamo, nem que representam.

Mais uma vez, fora todas, todas a multinacionais cancerosas.

O pequeno produtor não está representando por esse pessal. esse sim sofrem, mas a leis não são feitas para eles.

Anônimo disse...

O incentivo à exportação tira o alimento do país, encarecendo-o para a população local. Os lucros caem nas mãos dos latifundiários ("os do campo"). Se o quilo da carne chegar aos 50 pesos, não doerá no estômago dos latifundiários, mas de grande parte da população sim.

Independente disso, o lucro de um setor não é necessariamente bem ao país. Se isso fosse verdade, o Brasil seria um país desenvolvido desde a época da cana, passando pelo ouro e o café.. Na verdade o lucro desproporcional gera mais desigualdade social. E a concentração de riqueza deixa à margem sempre os interesses da real maioria.

Os impostos de 40% seriam para as grandes exportações. O que restringe a participação de pequenos produtores.

A questão até agora teve uma péssima cobertura da mídia. Já tentei entender o que passa lendo Clarin e La Nacion; e é impossível.

A parcialidade dos discursos que criticam uma falta de clareza de Cristina, é o próprio obscurantismo da direita conservadora. Eles direcionam o olhar levando comentadores pretensamente democráticos e sérios a escreverem coisas como "...a despresidenta Kirchner...". O teor judicioso dessa pequena piada já diz tudo.

Enfim, a questão agrária ainda está muito mal resolvida.

O projeto de Cristina foi aprovado na Câmara dos Deputados. Portanto, entraria em vigor de maneira democrática. De lá para cá, os latifundiários cortaram o envio de carne e soja. Paralizaram todas as estradas do pais sitiando Buenos Aires e são suspeitos de uma queimada gigantesca e criminosa ao norte da capital (que deixou a cidade por vários dias imersa numa nuvem sufocante de CO2).
A oposição criou um clima enorme de instabilidade. Os jornais contribuíram. Resultado final: hoje de madrugada o projeto caiu, com o voto de minerva do vice-presidente.

Gostei muito de ver a atitude de postar um texto sobre a crise num blog. A mídia brasileira se ausentou de comentários.. mas o texto esclareceria muito mais se não tomasse um partido gratuito de latifundiários (ou como já falaram "multinacionais e associados").

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